sábado, junho 16, 2012

Carlos Reichenbach (1945-2012)


Sim, Carlos Reichenbach morreu. Estranhamente, ainda aguardo a próxima postagem no “Olhos Livres”, o próximo link no Facebook, o próximo manifesto dito ou escrito com a sinceridade de mil caravanas.

Dizer que era gaúcho radicado em São Paulo pouco explica. Talvez ele fosse de uma Dois Córregos atemporal, guardada junto ao peito. Tremi ao vê-lo morto. Sempre tive a imagem de um Carlão assertivo, lúcido, fora do muro. Agora estava sereno, emudecido, naquela contemplação do luto.

Quando pupilo de Luiz Sérgio Person, Carlão aprendeu que devia deixar a timidez de lado. Entre outras coisas, foi filmar na rua Augusta que (dizia ele) nem frequentava. Debochou do resultado, o curta “Esta Rua Tão Augusta”, que lhe abriu a trajetória como diretor.

Eis Reichenbach: no escracho. O intelectual ripongo da Boca do Lixo, que declamava Mário Faustino com a volúpia de um engolidor de ovos de codorna, no Bar Soberano. Pajeado por Jairo Ferreira e Orlando Parolini. Ouvindo os 78 rotações herdados do pai.

E não se esqueçam: também foi dono de produtora. Portanto, além de poético era pragmático. Migrou para a Internet, entendeu o vandalismo bárbaro e irrefreável de quem chegava. Diretores, críticos, pesquisadores. Como Giselle, a vestal do filme de Carlo Mossy, praticou socialismo à sua maneira: baixando filmes, indicando levas de sites.

Disto eu sei por experiência própria. Carlão foi a primeira pessoa a apoiar e a divulgar o Estranho Encontro, quando ainda nem me conhecia pessoalmente. Era um dos pouquíssimos brasileiros adeptos do mérito e não do tapinha nas costas.

Recentemente, Carlão reclamou da perda de Paulo César Saraceni e Adriano Stuart. Ano passado, Leon Cakoff e Alberto Salvá. Por Salvá, batalhou infatigavelmente para que “Na Carne e Na Alma”, último longa do catalão-carioca, fosse exibido. Conversamos sobre isto. Outros colegas davam de ombros, ele não.

O cinema de Carlos Reichenbach se eterniza e precisa ser redescoberto. Porque foi concebido por alguém que via Mario Bava, Samuel Fuller, Mojica, diluições, perversões e quetais. Alguém que escutava pontos de umbanda, mas também sonhava assistir a uma pregação do reverendo Al Green. Um cineasta que não se restringe aos “Anjos do Arrabalde” ou “A Ilha dos Prazeres Proibidos”. Um homem brilhante, genial e que se foi de repente, em um sopro.

Um grande abraço, Carlão. Obrigada.

7 comentários:

Raul Arthuso disse...

Bravo.

Anônimo disse...

Esse fará falta. Vai em paz, Carlão!
Ass. Ricardo Montero

Anônimo disse...

Lindo texto, linda a declaracao mt a altura dele.

Milton do Prado disse...

Valeu, Andrea.

André Setaro disse...

Belo texto, Andrea. Carlão permanece sempre na nossa memória. Homem generoso e sábio.

Andrea Ormond disse...

Obrigada, Raul.

Fará falta, Ricardo. Não temos um cineasta ou produtor remotamente parecido com ele.

Obrigada, Anônimo.

Valeu, Milton. E se houver outro lado, que o Carlão esteja em uma Christiania (http://olhoslivres.zip.net/arch2008-09-14_2008-09-20.html) cósmica. Liberto e anárquico.

Pois é, Renato, tenho pensado nessa movimentação toda em torno da morte do Carlão. O grande problema é que ele não era só o Carlão. Assim como o Mauro Alice não era só o Mauro Alice. Eles eram o cinema que a gente aprendeu a amar/criticar/respeitar. "Ele não era um homem, era uma atmosfera", lembro que comentei esta frase do Lúcio Cardoso em algum texto. Por isso que o lado prático da coisa (o corpo) não se encaixa e dá esse nó em todos nós. Se pudesse, o Carlão teria respondido pessoalmente essa notinha da própria morte e criado um viral. A gente trabalha, escreve, pensa, grita e ainda aparecem essas coisas do nada. Como diria o próprio, repetimos em bom reichenbachês: cáspite!

Obrigada, André, o Carlão permanece.

edu vieira disse...

Fiz um curso com uma pessoa que era amiga tanto dele qto da Tata Amaral...não lembro do que era o curso, mas sempre admirei o Cinema com c maiúsculo desse homem tão gauche( sem vergonha de usar tal adjetivo). Não vi ainda Falsa Loira pois gosto de ter filmes do meus brasileiros preferidos pra assistir.Gosto do jeito que ele faz cinema, lembro quando vi uma Betty Faria diferente em Anjos do Arrabalde e Garotas do ABC com intepretações pungentes como a d Vera Mancini. Lindo texto.