sábado, setembro 13, 2014

Juventude e Ternura


"Juventude e Ternura" (1968), filme de Aurélio Teixeira que serve de veículo para o sucesso da cantora Wanderléa, é divertidíssimo. Aliás, quase todos os filmes brasileiros envolvendo artistas de sucesso nos anos 60 e 70 precisam ser revistos sem preconceitos. Como qualquer coisa envolvendo a ternurinha Wanderléa, aqui se carrega na maquiagem, nas caras e bocas, no élan feminino. A vestal é disputada por dois pretendentes, um rico e outro pobre, mostra-se passiva, porém determinada, e viaja pelo Brasil de 1968 buscando o sucesso. Se estas não forem razões suficientes para assistir ao rocambole, resta mais uma: Anselmo Duarte, aos 48 anos, faz o pretendente vilão. Empresta ao personagem todo o peso de uma vida e o garbo de uma Palma de Ouro. 

Doutor Estênio (Anselmo Duarte) é um contrabandista de whisky. Um dia, nos bares da noite carioca, vê a jovenzinha Beth (Wandeléa) se apresentando com um conjunto. Apaixona-se e resolve empresariar a garota. Para início dos trabalhos, contrata o compositor Guy (Ênio Gonçalves) e encomenda dez músicas. Acontece que Beth se enamora do rapaz, deixando o coroa empresário a ver navios. Na escalada do sucesso de Beth e da perseguição de Estênio por contrabando, a trama corre solta.   

O mocó onde as caixas de whisky ficam entocadas, percebam, é em plena Avenida Niemeyer, zona sul do Rio. Guy e Wandeca namoram em um Arpoador irreconhecível. Depois, o amante vive um bode na Avenida Atlântica sem a duplicação das pistas. Vão ao Jockey Club, torcer pelos cavalos. Viajam de avião, na Cruzeiro, pelo Nordeste. Perseguições nas ruas de Recife e Salvador. Até que Beth viva o êxtase do sucesso na Tv Rio, que ficava no Posto 6, onde hoje é o Sofitel Copacabana. 

Um colorido brasa, a direção elegante de Aurélio e o roteiro afiado de Fernando Amaral e Braz Chediak não escondem a repetição dos números musicais, que chegam a produzir um inesperado efeito psicodélico bem ao gosto da época, só que não planejado. Os closes no rosto da cantora, o balé desajeitado e gracioso, justificam plenamente sua transformação futura em ícone gay. 

Se alguns gostariam de ser Wandeca, os machões sonhavam em dominá-la, em “nomeá-la”, como diria Lacan bebendo cerveja no Baixo Gávea. A personagem, no entanto, enxerga em Guy uma possibilidade de relação mais igualitária. Para o velho interpretado por Anselmo fica o rótulo de “pai”, de “protetor”, que muitas mulheres pós-feminismo abominam, mas que nos idos do século XX era uma maneira de aceitar a potência masculina de bom grado, sem no entanto envolver sexo na jogada. O sorriso irônico de Estênio, antes dos créditos finais, demonstra que ele entendeu perfeitamente o recado.  

Estênio só não tolera Sandoval (Roberto Maya), policial gordinho que o persegue. Apesar do esforço de Maya, ter Anselmo Duarte de antagonista não era mole. O mesmo vale para Ênio Gonçalves e até para Bobby di Carlo, o “tijolinho” da Jovem Guarda, que no papel de Paulinho topa assinar a música escrita por Guy para a amada: “Juventude e Ternura”, o título do filme, é também o subtítulo de “Foi Assim”, a canção que consta de dez entre dez compilações da cantora e que se torna o maior sucesso de Beth. Fazem de tudo para enganar Estênio e Anselmo Duarte lá, firme e forte como árvore centenária, roubando as cenas como quem tira pirulitos (tijolinhos, ternurinhas) de criança.

A produção apressou as filmagens para que estreasse em fevereiro, antes de "Roberto Carlos em Ritmo de Aventura". Foi massacrado pela crítica – imagino Ely Azeredo e José Carlos Avellar babando de sarcasmo dentro do Condor, na galeria da Figueiredo Magalhães – e, no segundo em que o blockbuster do Rei estreou, em maio de 68, praticamente esquecido pela história. 

Quando lembramos de Wanderléa no cinema é muito mais pelo filme seguinte de Roberto, “Os Diamantes Cor-de-rosa” (1969) – e até o próprio diretor Aurélio Teixeira, falecido em 1973 aos 46 anos, deixou trabalhos melhores como “Soninha Toda Pura” (1971). “Juventude e Ternura” é um patinho feio, mas sobreviveu bem ao peso implacável das décadas. Se o leitor, como eu, prefere secretamente Wandeca a Roberto, pode assistir que é papo firme. 

3 comentários:

Anônimo disse...

Andréa, concordo que Juventude e Ternura é bem divertido! Wandeca é relamente "maravilhosa"! Por outro lado, que falta faz um ator como o Ênio Gonçalves. Abraço.

Márcio/MG

Andrea Ormond disse...

Saudações, Márcio! O Ênio Gonçalves está fazendo muito falta mesmo. Gosto muito dele como o filho atormentado no "Solo de Violino" de "A Noite das Taras II". Um abraço

ADEMAR AMANCIO disse...

A Wanderléa como cantora,sempre me pareceu limitada,assim como Roberto e Erasmo.Quanto ao filme,desconheço.